Greve dos procuradores paralisa tribunais e cancela julgamentos em todo o país
in “Observador.pt”. 09.07.2025
Greve dos procuradores está a cancelar julgamentos e a paralisar vários tribunais do país. O SMMP aponta que a adesão rondou os 90% a nível nacional. Na Madeira, a adesão foi cerca de 100%.
A greve dos procuradores está a cancelar julgamentos e a paralisar vários tribunais do país, com 75 a 100% de adesão nas comarcas do Norte, indicou esta quarta-feira fonte do Sindicato Magistrados do Ministério Público (SMMP).
“Há comarcas em que se verifica 100% da adesão (…). Isto significa que os julgamentos sumários, ou julgamentos que estejam agendados para hoje, não se enquadrando nos serviços mínimos, não vão ser realizados”, disse a presidente da Direção Regional do Norte do sindicato, Rosário Barbosa, num ponto de situação aos jornalistas realizado à porta do Palácio da Justiça, no Porto.
Socorrendo-se de números do Norte, um cenário que, disse, “se repete no país todo”, a presidente da direção-regional do Norte do SMMP apontou que a adesão é de 100% em Bragança, Braga, Barcelos e Esposende, bem como nos juízos locais criminais do Porto.
Já Vila Real regista 80% de adesão à greve nacional de dois dias, Porto Oeste 95%, Viana de Castelo 75%, Vila Nova de Famalicão 85%. Guimarães 86%. Na Madeira, a adesão foi cerca de 100% e nos Açores de 85%, segundo a mesma fonte. Em locais como Évora, Lagos, Loulé e Portimão, adesão foi de 100%.
Segundo a responsável no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto (Diap) e no Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto a adesão ronda os 75%.
“Fomos empurrados para fazer esta greve, devido à intransigência da PGR”, justificou Paulo Lona, em declarações à Lusa, à margem de uma conferência de imprensa em que foram apresentados os resultados de um inquérito sobre o excesso de trabalho destes profissionais.
Segundo o dirigente sindical, faltam 100 a 120 magistrados nos quadros de pessoal, o que sobrecarrega quem está ao serviço. Quase todos os magistrados que responderam a um inquérito online afirmaram que trabalham aos fins de semana e à noite.
O SMMP convidou para esta apresentação a psicóloga Tânia Gaspar, que sublinhou a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre a gestão dos processos e os recursos humanos disponíveis, sob pena de os profissionais sujeitos a uma sobrecarga contínua de trabalho entrarem em esgotamento ou passarem a sofrer de stress crónico.
“O julgamento denominado “Babel“, que é um julgamento que corre termos nos juízos centrais criminais de Vila Nova de Gaia, um julgamento mediático, foi adiado porque os dois procuradores que estavam a assegurar a representação do Ministério Público em julgamento fizeram greve”, exemplificou.
Em causa está o aviso de abertura do movimento de magistrados do Ministério Público, publicado em 4 de junho em Diário da República, que inclui lugares a ocupar pelos procuradores, a partir de setembro, em vários departamentos e tribunais em simultâneo.
A Procuradoria-Geral da República tem justificado a opção com a necessidade de “otimizar os recursos existentes”, num “contexto de reconhecida e notória carência de recursos humanos”.
“Não há magistrados no Ministério Público. Esse é o grande problema. Já desde 2014 que não se consegue cumprir todas as vagas e isto tem piorado. Chegamos a um ponto de rutura completa. Nós já não aguentamos. Esta luta é pelas nossas condições de trabalho e também pelo serviço prestado ao cidadão, porque nós não conseguimos prestar um bom serviço, estando a correr de um lado para o outro, estando cheios de trabalho”, disse Rosário Barbosa.
Para a dirigente sindical, “além de todas as ilegalidades de violação de princípios estatutários, esta deliberação veio também pôr em causa, quer o princípio da igualdade, quer a proteção da parentalidade”.
“Determinados lugares a concurso que seriam atrativos, até porque são próximos dos grandes centros, não podem ser preenchidos por colegas que previsivelmente se encontrem em situação de baixa superior a 60 dias. Ora, quer dizer, eu quando concorro em junho tenho que saber durante o próximo ano, de setembro a julho, se vou estar de baixa durante 60 dias. Isto obviamente prejudica quem quer ser mãe, quem quer ser pai, quem quer exercer a parentalidade“, afirmou.
Questionada sobre quantos mais magistrados seriam precisos para assegurar o trabalho, Rosário Barbosa disse que entre 120 e 200 “daria algum alento e alguma capacidade de poder respirar outra vez e colmatar falhas”.
“Mas não vamos ter sorte. Já tivemos reunião com a senhora ministra da Justiça na segunda-feira, e não nos pareceu recetiva. Agora está nas mãos do Conselho Superior que reúne hoje. Nós não temos interesse nenhum em continuar a greve, nós queremos é que a nossa situação seja ouvida e percebida”, disse.
Ministra promete continuar a ajudar no diálogo face à greve dos magistrados do MP
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, já garantiu, porém, esta terça-feira que vai continuar a ajudar no diálogo e contribuir para “desatar algum nó” perante a greve de magistrados do Ministério Público esta quarta-feira iniciada.
“O que eu posso fazer, fiz e farei e continuarei a fazer, é poder ajudar ao diálogo e trazer algum contributo que possa ajudar a desatar algum nó”, afirmou Rita Alarcão Júdice, aos jornalistas, em Leiria.
A governante reafirmou não ver que “a abertura de um curso especial agora pudesse dar resposta à preocupação do sindicato”.
“O sindicato traz-nos a necessidade de aumentar o número de procuradores. (…) Um curso especial não demora menos de um ano e meio a ser concretizado”, referiu, assinalando que, daqui a ano e meio, na melhor das hipóteses, haveria mais 120 procuradores caso esse fosse o número de vagas.
A proposta da ministra passa por “encurtar o prazo do estágio deste curso 41.º, para que em janeiro de 2026 estejam mais 55 procuradores já ao serviço, e não em setembro apenas, e no ano seguinte, em janeiro de 2027, estejam mais 75 procuradores ao serviço, o que faz 130 procuradores em um ano e meio”.
“Parece-me que a solução é até mais favorável do que os sindicatos apresentavam”, considerou, referindo que “criar dois tipos de curso, dois tipos de processo” não lhe parece o mais adequado quando a postura do ministério e do Governo “tem sido aumento da exigência e não discriminação entre profissionais”.
A ministra adiantou que esta quarta-feira, no parlamento, deverão ser aprovadas alterações que “permitem avançar com as assessorias aos tribunais”.
“Acreditamos que a criação de gabinetes de assessores e regulamentação das assessorias vai ajudar-nos, também, a colmatar algumas falhas que existam de meios humanos e também, por outro lado, estamos a apostar muito na digitalização e na tramitação eletrónica de processos”, declarou.
Rita Alarcão Júdice disse acreditar que “este conjunto de medidas possam dar resposta às preocupações que os senhores procuradores têm e possam ser um contributo útil para este problema que está a decorrer”.
A governante acrescentou que um tema também em análise prende-se com “ajudar a Procuradoria-Geral da República a trabalhar no que diz respeito à saúde do trabalho”.
“É um tema que não pode ser tratado diretamente pelo Ministério da Justiça, mas é um tema que está em cima da mesa nas minhas conversas com o sr. procurador [Amadeu Guerra, procurador-geral da República], para vermos como é que conseguimos ajudar a procuradoria a prestar esse serviço de apoio da saúde do trabalho”, acrescentou.
Este protesto, convocado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, prevê ainda a realização de paralisações regionais a 11, 14 e 15 de julho, o último dia antes das férias judiciais de verão.
Estão assegurados serviços mínimos como atos processuais necessários à garantia da liberdade, ou seja, arguidos presos, bem como menores que estejam detidos, situações de terrorismo, detenções, tratamentos ao abrigo da lei de saúde mental, todos os procedimentos referidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo, interrogatórios de cidadãos estrangeiros detidos em situação também ilegal para aplicação de medidas com ação e habeas corpus.
“E decidimos incluir as autópsias médico-legais para não deixar as famílias sem esse conforto. Nós podíamos ter optado, de facto, por não assegurar serviços mínimos, mas não queríamos prejudicar o cidadão e quisemos evitar que houvesse presos por mais tempo”, concluiu.
PGR nega que concurso de procuradores viole “princípio da igualdade”
A Procuradoria-Geral da República (PGR) nega que o concurso de procuradores viole o “princípio da igualdade, designadamente em função do género, dos magistrados interessados”, atribuindo as restrições que existem à natureza dos lugares em causa.
O Diário de Notícias revelou, esta semana, que a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) se queixou à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) do procedimento por considerar que “não se pode admitir que as magistradas e os magistrados sejam excluídas/os, com base em cenários potenciais e decisões potenciais futuras, especialmente ligadas à parentalidade, ou coagidas/os a adiar a maternidade e a paternidade”.
Em causa está uma regra que excluirá da candidatura a lugares nos quadros complementares (bolsas de substituição) e de recuperação de pendências magistrados que, “previsivelmente, se encontrarão em situação de redução de serviço ativa ou situação de ausência prolongada superior a 60 dias, durante o período compreendido entre 01 de setembro de 2025 e 31 de agosto de 2026”.
O aviso do movimento foi aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), presidido pelo procurador-geral da República, Amadeu Guerra.
Confrontada pela Lusa, fonte oficial da PGR defende que “não é rigoroso que o movimento de magistrados exclua candidatos”, uma vez que a regra estabelecida “tem razão de ser na própria natureza” daqueles lugares.
Numa resposta por escrito, o organismo começa por lembrar que a função dos procuradores dos quadros complementares é substituir titulares dos processos “em situação de gozo de licença parental, risco clínico durante a gravidez, doença, assistência a filhos ou sanções disciplinares que ditem um afastamento por um período superior a 30 dias”, bem como suprir “necessidades decorrentes da quantidade ou complexidade do serviço, desde que estas tenham natureza temporária e excecional”.
Neste contexto, o CSMP “decidiu que apenas podem concorrer” a estes lugares “magistrados que se encontrem em situações de disponibilidade efetiva e permanente”, uma vez que “não seria compreensível” que as vagas fossem ocupadas por procuradores “em idêntica situação” dos que iriam substituir provisoriamente.
A PGR lembra, ainda, que estes têm de ter disponibilidade para cobrir uma extensa área, podendo, por exemplo, “estar um mês em Faro, e no mês seguinte, em Setúbal” e, no caso da Procuradoria-Geral Regional de Lisboa, ter mobilidade, nomeadamente, entre Sintra e os Açores.
O mesmo entendimento se aplica à bolsa que “se destina a recuperar processos pendentes em atraso, que exigem uma total disponibilidade por parte de quem a integra”.
“Dito isto, não se restringe nem se priva do direito ao acesso ao concurso, em violação do princípio da igualdade, designadamente em função do género, dos magistrados interessados”, conclui a PGR, frisando que, no movimento de 2024, a norma já fora aplicada, sem suscitar “alegações de inconstitucionalidade”.
No total, estão em aberto a nova colocação cerca de 1.520 lugares, dos quais 71 se destinam aos quadros complementares.
Nove em cada dez procuradores afirmam trabalhar à noite e ao fim de semana
Mais de nove em cada dez magistrados do Ministério Público que responderam a um inquérito online afirmaram trabalhar à noite (92,2%) e ao fim de semana (95,4%), revelou o SMMP.
Foram recolhidas 371 respostas, com o intuito de analisar o trabalho noturno e ao fim de semana destes profissionais, que o sindicato afirma estarem exaustos. “Entre os que declararam realizar trabalho noturno, foi apurada uma média semanal de 14,23 horas adicionais, além das 35 horas regulamentares”, lê-se no documento.
Relativamente ao trabalho ao fim de semana, os magistrados afirmaram realizar, em média, 8,07 horas semanais.
Além dos números, os inquiridos deixaram também comentários alusivos a “sobrecarga permanente de trabalho, com grande impacto na vida pessoal e familiar” e “impossibilidade de cumprir prazos dentro do horário normal de trabalho”.
Foi igualmente referida a falta de compensação ou valorização do esforço extra. Queixas sobre a insuficiência de recursos humanos e materiais, a par de relatos de exaustão física e emocional, completaram o quadro divulgado pelo sindicato.
“Estes dados revelam uma carga horária efetiva significativamente superior à prevista no regime legal, evidenciando o esforço extraordinário exigido aos magistrados para dar resposta às exigências processuais”, sublinhou a estrutura sindical.
Para o sindicato, a falta de magistrados do Ministério Público não pode ser resolvida com “sacrifício da especialização”, nomeadamente, exigindo-se que tenham de exercer funções em mais do que uma jurisdição.