Pedrógão Grande: Tribunal da Relação confirma absolvição dos arguidos no processo dos incêndios
in “Público.pt”, de 25 de junho de 2025
Incêndios provocaram 66 mortos e 44 feridos, mas os acusados foram absolvidos dos crimes de homicídio por negligência. Familiares das vítimas consideram que a “culpa morreu solteira”.
O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) confirmou esta quarta-feira a absolvição dos 11 arguidos do processo dos incêndios de Pedrógão Grande, no qual o Ministério Público contabilizou 66 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal. O TRC considerou que nem o rigoroso cumprimento dos deveres evitava as mortes e os feridos, dada a excepcionalidade dos fogos.
Numa nota do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) enviada à agência Lusa, lê-se que foi negado provimento aos recursos interpostos, mantendo-se a deliberação do Tribunal Judicial de Leiria, de 13 de Setembro de 2022.
Segundo o acórdão, “a magnitude, excepcionalidade e imprevisibilidade do incêndio” não permitem “outra conclusão que não seja a de que nem o rigoroso cumprimento daqueles deveres [de cuidado por parte dos arguidos] teria podido evitar os resultados danosos que se produziram nas vítimas” ou “sequer diminuído o risco da sua verificação”.
Para as juízas desembargadoras, isto equivale a dizer que “os arguidos não dispunham de qualquer poder impeditivo ou sequer mitigador da lesão dos bens jurídicos protegidos, o que impede a verificação de um nexo causal” entre a alegada conduta omissiva dos arguidos e, “consequentemente, a sua responsabilização”.
O acórdão, de 882 páginas, considera inexistir fundamento para a condenação dos arguidos e, nesse sentido, “os pressupostos da obrigação de indemnizar”, como decidiu o Tribunal Judicial de Leiria. Em consequência, improcedem os recursos interpostos, mantendo-se o acórdão da 1.ª instância que, em 13 de Setembro de 2022, absolveu os 11 arguidos.
Nesse dia, o colectivo de juízes da 1.ª instância absolveu o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição, actual E-Redes (José Geria e Casimiro Pedro), e três da Ascendi (José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota).
Pedrógão Grande: Tribunal da Relação confirma absolvição dos arguidos no processo dos incêndios
A absolvição estendeu-se aos ex-presidentes das câmaras de Castanheira de Pêra e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respectivamente, assim como ao actual presidente do Município de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.
O antigo vice-presidente do Município de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal desta câmara, Margarida Gonçalves, foram, igualmente, absolvidos. Em causa estavam crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.
Os incêndios de Pedrógão Grande, no norte do distrito de Leiria, deflagraram na tarde de 17 de Junho de 2017. Segundo o despacho de acusação do MP, os fogos de Escalos Fundeiros e Regadas, naquele concelho, foram desencadeados por descargas eléctricas de causa não apurada com origem na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da antiga EDP Distribuição, em troços junto aos quais os terrenos estavam desprovidos de faixa de protecção e onde não tinha sido efectuada a gestão de combustível.
Estes dois incêndios acabaram por se juntar, ao final do dia, num processo designado de “encontro de frentes”, que conduz a um mecanismo de comportamento “extremo de fogo”, e unificado, progrediu “com grande rapidez e intensidade”, chegando à Estrada Nacional (EN) 236-1 (onde foi encontrada a maioria das vítimas mortais) e a outros locais de Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, os concelhos mais fustigados, de acordo com o MP.
A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.
Pedrógão Grande: Tribunal da Relação confirma absolvição dos arguidos no processo dos incêndios
Familiares das vítimas consideram que a “culpa morreu solteira”
O advogado André Batoca, que representa seis assistentes que perderam familiares nos incêndios, considerou esta quarta-feira que a absolvição dos arguidos confirma que a “culpa morreu solteira” num país “eternamente inflamável”.
“Sem prejuízo de uma mais aprofundada análise da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra hoje conhecida, parece evidente que a mesma vem confirmar que a culpa morreu solteira na tragédia de 17 de Junho de 2017, o que, infelizmente, ficará gravado para sempre na história do nosso país”, afirmou, numa declaração escrita enviada à agência Lusa, André Batoca.
O advogado representa seis assistentes que perderam familiares na EN 236-1 (um dos assistentes perdeu a mulher e as duas filhas; noutro caso, um assistente perdeu cinco familiares directos). Junto a esta estrada foi criado um memorial com o nome das 115 vítimas mortais dos fogos naquele ano.
O advogado declarou que, “apesar de todos os memoriais que possam ser feitos, nada impede que aconteça uma nova tragédia cuja causa natural parece ser um Portugal eternamente inflamável”.
“De facto, o único evento imprevisível e excepcional foi a morte das 66 pessoas e as centenas de feridos, o que deveria ter sido evitado pelos arguidos e, como tal, consideramos que, mais uma vez, não se fez justiça à memória das vítimas e ao respeito que merecem”, acrescentou André Batoca.
Liga satisfeita com absolvição de comandante dos bombeiros critica Estado
A Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) expressou satisfação com a absolvição do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut. Numa nota enviada à agência Lusa, na qual manifesta satisfação pela absolvição do comandante pelo Tribunal de Relação de Coimbra (TRC) após deliberação igual do Tribunal Judicial de Leiria, a LBP afirma que, “claramente, se fez justiça”, e lamenta, de novo, que “neste assunto o Estado tenha tido uma atitude vergonhosa”.
“Culmina, assim, um processo dramático da tentativa de responsabilizar o comandante Arnaut por aquilo que o Estado deveria ter assumido desde o início”, sustenta a Liga, destacando que, “ao contrário, preferiu iludir a questão e passar ao lado”.
Em nome dos bombeiros de Portugal, a LBP “reconhece e evoca as sucessivas provas de carácter e resiliência demonstradas pelo comandante”, e, “concluído o processo em si (…), entende ser necessário tirar as conclusões sobre a postura de todos neste processo”.